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Espírito livre


Cheguei ao terminal dos barcos, em Puerto de Santa Maria. Tirei o telemóvel da mala, marcava 9h 12 minutos. Sabia que tinha de aguardar mais oito pela chegada do barco, e um pouco menos pelas minhas amigas. A música ambiente pairava com a frescura da manhã. O verão terminava trazendo sobressaltos como o vento ou o tempo nublado. O Jazz entoava do saxofone, da bateria, do teclado e da guitarra, instrumentos tocados por quatro músicos que, como que possuídos pelo swing, mostravam-se indiferentes a quem chegava. Não sou grande apreciadora de Jazz… Prefiro os blues, pensei.

Maria e Ana acabaram de chegar. Sorriram para mim ao longe e percebi que estavam bem dispostas. Retribui-lhes o sorriso, enquanto se aproximavam. – “Isto sim… disto eu gosto!” exclamou a Maria. “Dá vontade de vir aqui todos os dias. A música é agradável… Sabe bem melhor que o pão com manteiga que me ofereceram, um destes dias, quando ia a sair da estação”, comentou. Rimo-nos. – “Pois…mas para isso era necessário que os músicos estivessem sempre aqui, o que não me parece”, observou Ana.

Entramos no barco que se mostrou cheio de jovens. Embora tivéssemos uns aninhos a mais que eles, misturamo-nos bem. Sentia-me ansiosa. Era a primeira vez que ia a Cádiz com as minhas amigas, para vermos o “festival de luzes”, e o meu último dia de trabalho, antes das férias. Tinha receio de não me encaixar. Sentia-me frágil.

Embora Maria e Ana estivessem de férias, eu ia em serviço. O meu espírito era, por isso, o menos livre das três. Durante a viagem Maria fez questão de nos mostrar a fotografia do seu novo namorado. Era um Adónis, de corpo lindo e feições perfeitas. Mal o viu, Ana recordou-nos que preferia os homens barrigudinhos “assim não são cobiçados nem partilhados com outras. É só meu!” afirmou. E eu?... Penso que acredito no amor apenas. Acredito que quando ele chega, pouco importa a cor, raça, religião ou o aspeto… bate forte e entra se estivermos de braços abertos e de espirito livre, para o receber.

Chegamos a Cádiz pelas 10 horas. A cidade de palmeiras ao sol mostrou-se ventosa, mas acolhedora. Pareceu-me que os contrastes dos edifícios novos e antigos, rodeados pelas águas quentes do Atlântico, conviviam sem conflitos. Tinha fome e sugeri um restaurante “fast food” situado mesmo na avenida principal, a olhar para o mar. Sabia que ali se vendiam menus de “pequeno almoço” a um preço bastante em conta.
Depois de comermos demos uma volta pela cidade. Ruas estreitas com recantos coloridos espreitam as avenidas largas e movimentadas da baixa citadina. Ali, vendedoras com bancas expostas exibiam orgulhosas as suas bijuterias, e as lojas das grandes marcas comerciais rivalizavam entre si a curiosidade dos visitantes. Quiosques com souvenirs e restaurantes com esplanadas ofereciam a visitantes, como eu, a possibilidade de consumo sem grande esforço. Chegamos ao hotel situado mesmo no centro da cidade. Atirei-me de costas, sobre a cama macia e envolvente. Questionava-me como iriam ser os dois dias, e o festival de Luzes naquela cidade.






30.5.14

O Luto




A vida ensina-nos a sorrir, a chorar, a sentir a alegria, a tristeza e a dor. Ensina-nos, também, a existência da morte, mas não nos deixa mostrar, plenamente, as emoções que esta nos provoca.

Isabel estava imparável naquele ao almoço... Suspirava pelas férias que tardavam em vir, falava compulsivamente do seu trabalho, do chefe que não possuía as competências necessárias para o cargo que desempenhava, do colega e suposto amigo do chefe que lambia as botas deste visando uma promoção, do salário baixo, do cargo que sonhava ocupar, mas do qual foi afastada por circunstâncias que não previu…

Eu escutava-a e a medida que o tempo passava senti-me dividida… Se por um lado dava-lhe o meu ombro e partilhava da sua dor, por outro lado, sentia uma vontade imensa de a sacudir, de a fazer reagir, de acordá-la para aquilo que para mim mais interessava e era importante.

Mas, percebi que Isabel considerava muito importante as perdas que vivenciara no seu serviço. Que, aquelas perdas representavam a morte de algo pelo qual nutria sentimentos que valiam o choro e o lamento. Percebi que queria fazer o luto do que sentiu em todos os momentos maus vividos no trabalho e também, da dor que lhe causou o sonho roubado.

Sentada diante dela, à mesa, naquele espaço onde habitualmente almoçávamos, permaneci calada, enquanto a escutava. Mas, a parte formatada da minha mente rebelava-se, até que, por fim… voei! Dei comigo a pensar que raramente nos permitimos sentir o luto, seja ele nosso, ou dos outros.

Cada vez mais evitamos chorar em público, pela morte ou pelas amarguras da vida. Com a voz firme disse à Isabel: “Se quiseres chorar, chora. Acumular a dor não faz bem.” E ela assim o fez!

Vivemos a época em que manter o Pensamento Positivo parece ser sempre a melhor solução… para tudo! Como se não nos fosse permitido derramar uma lágrima ou erguer uma estátua, ainda que por momentos, por aquela dor que nos ocupa, quando algo ou alguém se vai da nossa vida, ou ainda quando um sonho nos é roubado.

Devemos poder chorar, sim!... sem vergonha, até ao limite das nossas forças, e após, dentro do nosso tempo, ressurgir renovados, das cinzas!

Estamos continuamente a espera de ver lidar as emoções de uma morte, como guerreiros, como gente ganhadora, como autênticos corredores de asfalto que alcançam, sempre, um troféu, no desafio pírrico que muitas vezes a vida, o é.

Chorar Faz Bem! Muitos o fazem, em silêncio, escondidos até, talvez para não sofrerem a censura externa, e outros escondem-se porque não conhecem outra forma de chorar. Antes não era permitido ao homem chorar… em público.

Agora, também as mulheres não o podem, ou não o devem fazer… em público! E também não devem lamuriar-se… como a Isabel, porque se tornam inconvenientes e indesejadas. Estamos formatados para aceitar, apenas, o lado bom da vida, o que nos faz sorrir. Mostrar o luto após uma morte não faz parte!











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